18 julho 2006

A Capa de Chuva do meu Pai

Salvador Nunes de Freitas, esse é o nome do meu pai. Difícil falar sobre ele no passado. Ele foi e sempre será, pra mim, uma pessoa especial, eternamente presente. Sempre nos passou o seu melhor, em todos os aspectos, seja dentro ou fora de casa. Tenho inúmeras lembranças boas dele e poucas não tão boas, como uma ou outra palmada que ele dava -que mão pesada papai tinha, eu me trancava no banheiro, abaixava o short (na época era short) e olhava incrédulo a marca de sua mão, inteira na minha bunda, nossa... como doía... Pena a vida o ter levado tão cedo. Sobre isso falarei em outra ocasião. Agora o assunto é a sua capa de chuva.

Papai não gostava de guarda-chuva, nunca soube o porquê. Nunca o vi utilizar um. Em compensação ele tinha algumas capas de chuva, com direito a pequenos chapéus. Ambos eram em nylon e ele ficava como um artista, ao entrar em nossa casa com sua capa -parecida com um sobretudo-, chapéu e galochas.

É claro que eu fiquei com sua capa de chuva. Eu a usava sempre. Naquela tarde, indo pra escola -que se chamava Serafim Silva Neto, na Praia Vermelha- chovia muito e lá ia eu com a capa de chuva do meu pai, me sentindo poderoso.

Ao final da aula era comum irmos até uma praça, perto da escola, conhecida até hoje como "Quadrado da Praia Vermelha". Ali conversávamos, espiávamos os barcos ancorados ao lado do Iate Club e dávamos os primeiros beijos. Como tinha parado de chover, dobrei cuidadosamente a capa de chuva, guardei-a no porta-capas e a deixei ao meu lado, na mureta do quadrado. E toma conversa.

Já estava escurecendo quando decidi ir pra casa. Peguei meu material e fui embora andando, morava pertinho. Ao chegar em casa senti falta de algo e vi que tinha esquecido minha capa, a capa que era do meu pai e que agora era minha, em cima da mureta. Voltei correndo e, claro, não a encontrei. Ainda havia alguns alunos conversando, dentre eles um com quem eu havia discutido por alguma bobagem. Perguntei se eles tinham visto a capa, ninguém viu nada, exceto o que eu havia discutido, que afirmou ter visto uma pessoa passar e levá-la. Fiquei mal, ele sabia que a capa era minha e foi incapaz de falar com a pessoa.

Naquela hora me lembro ter falado, com uma vontade imensa de chorar "Pô, a capa tinha sido do meu pai..." Tive vontade de voar em cima dele mas não o fiz, não adiantaria nada. Só consegui virar as costas e retornei pra casa... arrasado.

Um comentário:

Anônimo disse...

Adoro esse texto! Me traz a nostalgia dos meus pequenos tesouros, também perdidos na infância, e que nunca são esquecidos.
Quem sabe, se a gente desejar muito, visitanos um dia um "Departamento de Achados e Perdidos Universais" onde eles estã seguros, guardados para nós!?